sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Complexo de Vira-lata e as Olimpíadas Rio-2016

“[...] por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo” – Nelson Rodrigues

“Hoje, o Brasil deixa de ser um país de segunda classe e ingressa na primeira classe” – Luis Inácio Lula da Silva


Dois de outubro de 2009. Dia histórico para o Brasil, enquanto Estado e nação: a cidade do Rio de Janeiro foi eleita para sediar os Jogos Olímpicos (JO) de 2016, que ocorrerão de 5 a 21 de agosto. Nos mais diversos veículos de mídia, conversas em ruas e restaurantes, postagens em blogs e Twitter, vimos manifestações contrárias, favoráveis, virulentas, ufanistas e mesmo indiferentes à escolha do Rio. É difícil não se contagiar quando se escuta brados e aplausos no bar da rua, gritos infantis da turma dos pequenos alunos de tae-kwon-do da academia vizinha, o faxineiro do prédio assobiando “Cidade Maravilhosa”, música-tema da candidatura brasileira, ou quando se vê o belíssimo vídeo produzido por Fernando Meirelles para a candidatura.

É preciso analisar a vitória brasileira sob dois prismas distintos: o da política pública brasileira voltada para o Esporte e o das relações internacionais do país. É indiscutível a falta de estrutura e de uma política pública voltada para o Esporte no Brasil. Por outro lado, é notável a ascensão do Brasil enquanto país emergente e um dos principais líderes do mundo em desenvolvimento.

Muito já se disse sobre as conquistas recentes do Esporte brasileiro; que são muito mais vitórias individuais, do esforço pessoal do atleta e de sua família, do que fruto de uma política com enfoque no Esporte, como instrumento de inclusão social e como oportunidade para que o Brasil se torne uma potência olímpica. A completa ausência de um programa nacional voltado ao Esporte pesa negativamente na imagem do país como sede dos JO. Faltam políticas, programas e projetos governamentais que promovam a educação física de qualidade nas escolas públicas brasileiras, a organização de competições de alto nível e que concedam incentivos fiscais ao setor privado para que este patrocine e apóie os atletas brasileiros.

Embora seja uma mudança muito árdua e que vai contra os interesses imediatos dos ocupantes do poder político e econômico, a realização de uma Olimpíada tem o potencial para modificar esta cultura, ou melhor, a falta de uma cultura esportiva nacional.

Sob o prisma das relações internacionais, é compreensível o discurso do Presidente Luis Inácio Lula da Silva após a escolha da cidade brasileira. Histórica e sociologicamente, o Brasil é um país que sempre se considerou inferior aos demais nos mais diversos setores – o futebol constitui-se na única exceção à regra. O dramaturgo Nelson Rodrigues brilhantemente cunhou este termo como “complexo de vira-lata”. Esta visão também é comum ao estrangeiro. Porém, nos últimos anos, no movimentado tabuleiro de xadrez do Sistema Internacional, o Brasil passou a figurar entre as principais potências emergentes do mundo, juntamente com China, Rússia, Índia, Indonésia e África do Sul. O país destaca-se por sua razoável estabilidade econômica – obteve 4 graus de investimento de conceituadas agências internacionais nos últimos cinco anos – possui forte capacidade de influência nos fóruns multilaterais de decisão e assumiu a postura, e os custos, de ser o líder regional da América do Sul.

Sem dúvidas, sediar uma Olimpíada representa prestígio e respeito internacionais; e a escolha do Rio simboliza o reconhecimento da comunidade internacional da importância do país no Sistema Internacional. Iniciei este texto assinalando que se trata de um dia histórico para o Brasil, enquanto Estado e nação. Afirmo, hoje, que se trata de uma vitória muito mais relevante para o Brasil-Estado do que para o Brasil-nação. Espero que os sete anos que nos separam dos JO provem que a vitória foi do Brasil, Estado-nação.

Desta forma, esta blogueira se permite comemorar comedidamente tuitando “Yes, we créu!” a escolha do Rio como sede dos JO 2016; porém é importante que além da comemoração, também seja feita uma fiscalização rigorosa das contas e investimentos que serão realizados, afinal são R$25,9 bilhões de reais, dos quais cerca de 70% serão pagos dos cofres públicos. Dinheiro meu e seu. E é muito preocupante o fato de que as mesmas pessoas que administraram as finanças do Pan 2007 (a respeito do qual o TCU aponta um desvio de R$16 milhões até o momento), administrarão essa fortuna. É preciso que haja mecanismos de fácil acesso à população para fiscalização e cobrança relacionadas às contas da organização Rio-2016. Transparência é a chave.

Também, não custa lembrar a frase do sábio tio Benjamin ‘Ben’ Parker: “Lembre-se: com grande poder, vem grande responsabilidade”. Ah, sim: tio Ben é o tio de Peter Parker, também conhecido como Homem-Aranha.

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Sites de interesse:
Blog do José Cruz – o esporte sob a ótima da política e da economia
Blog do Erich Beting
Blog Rio 2016